sábado, 15 de maio de 2010

Desgraçados

"Desgraçados" é uma obra ímpar de Lourenço Mutarelli.
Aqui eu transcrevo um trecho que significa muito para mim:

"...não foram apenas lindas poesias e boas piadas que aprendi neste sanatório. É engraçado, mas eu levei muito tempo para perceber que estava num hospital psiquiátrico (...), uma espécie de prisão onde se detinham pessoas que ainda possuíam sensibilidade.
Para esse mundo, sensibilidade não é qualidade ou característica, é sintoma.
Lá fora vagam os mortos-vivos, aqui dentro estão detidos aqueles que por algum motivo perceberam o absurdo deste sistema estabelecido numa convenção estúpida, castradora, cruel e patética.
Mas mesmo assim a sensibilidade retida neste manicômio é temporária em um breve tempo, todos que aqui chegam são neutralizados bombardeados por psicotrópicos...hipnóticos...tranquilizantes...
'As trágicas fileiras de escravos das drogas se espicham a perder de vista pelos vales desta humanidade cada vez menos humana e sempre mais psicodélica, vazia, enfastiada, inconsequente e mesmificada no sofrimento neurótico e psíquico.' dirá Hermógenes. Tornando-se assim pessoas normais...equilibradas...nem mais nem menos...o meio...o comum... o igual. Mas já disse o poeta que a natureza não faz nada igual. 'Não existem dois flocos de neve iguais.' Mas não importa, eles querem igualar, afinal 'Todos são iguais perante Deus.'.
Mesmo assim, ainda existem aqueles que são mais resistentes, aqueles que são tão convictos de suas verdades e de seus ideais, que tornam-se indestrutíveis. É sobre estas pessoas que falo agora. Pessoas únicas, ímpares. Pessoas que conheci neste sanatório. Figuras dotadas de uma força inimaginável, e quando digo força, não me refiro à força física, tão cultuada pelos estúpidos. Não me refiro a nenhum tipo de força destrutiva, pois estas pessoas a quem me refiro sabem que ser forte não é poder destruir, mas saber construir."
(...)
"Na última sessão de terapia perguntei ao Dr. se eu era um homem louco. Rindo ele respondeu:'A única coisa que nos torna diferentes é que eu possuo a chave do portão'.".

sábado, 8 de maio de 2010

Sobre a Liberdade, a Sociedade, o Sofrimento e a Morte

Ao nascer, o homem, assim como todos os animais, é acorrentado num complexo sistema de instintos e vontades dos quais será escravo pelo resto da vida. Porém, ele é o único animal ao qual é dada a capacidade de escapar destas prisões, a capacidade de escapar do medo, da vontade irracional e insaciável. A capacidade de se livrar das correntes da necessidade de sobrevivência e do sofrimento e de se tornar dono de si mesmo através da mente racional.
Mas acontece exatamente o contrário: nossos medos, angústias, nossa insaciedade e nosso sofrimento são muito maiores e mais intensos do que na vida dos irracionais.

Há quem diga que o homem é livre, mas a verdade é que o nós, com toda nossa sabedoria, fazemos o oposto de nos libertar. Nós criamos este mundo de faz de conta que é a sociedade, onde nossas mentes são aprisionadas e manipuladas e onde todo nosso discernimento é iludido por coisas abstratas e imaginárias. Nos tornamos totalmente alheios a nós mesmos escravizados por estas mentiras nas quais somos todos obrigados a acreditar. Elas representam o fracasso do homem.
Fracassamos em superar animal. Eramos os únicos capazes de sair do abismo animalesco da vontade cega e de alcançar algo além, mas nos satisfazemos em simplesmente fingir que somos donos das coisas.

E o maior erro que cometemos é a maneira como lidamos com a morte, pois ela é o que mais causa sofrimento em nossa espécie desde os tempos remotos quando começamos a pensar. Isto porque somos os únicos animais neste mundo que sabemos que um dia vamos morrer e ao mesmo tempo somos os únicos que nos apegamos. Somos os únicos que temos a ilusão de posse e nosso medo é elevado ao máximo por causa disso. Em nossos pensamentos transformamos a morte na coisa mais terrível de todas que nos tirará tudo aquilo que temos e amamos.
Como podemos ter tanto domínio sobre o mundo ao nosso redor e não termos o mínimo domínio sobre nós mesmos e nosso sentimentos?
Fazemos novamente o oposto do que a razão dita: nos esforçamos ao máximo para ignorar a morte e tentamos desesperadamente esquecê-la. Temos medo de sequer pensar nela. Nos agarramos com todas às forças àquilo que nunca foi e que nunca será nosso: a vida.

A vida inteira deveria ser uma preparação para a morte. Uma coisa tão certa assim nunca poderia pegar de surpresa seres ditos racionais.
Para que gastar toda nossa trabalhando, nos reproduzindo, lutando, comprando coisas se um dia tudo vai acabar e nada será realmente nosso? Não deveríamos nos apegar a nada nem a ninguém. A morte vai tirar tudo inevitavelmente mais cedo ou mais tarde.

Novamente vem o fracasso humano para nos cegar impedindo que vejamos a verdade: este tipo de ideia sobre a morte não é bem visto pela sociedade pois ela manipula o pensamento para impedir que o homem quebre as correntes animalescas e se liberte do medo e do sofrimento. Ela nos ilude e cria fórmulas para que nos tornemos "felizes" do jeito que ela quer. Inventa metas imaginárias e nos convence de que são nossas para que as persigamos até o fim sem conhecer a verdadeira intenção de tudo isso que é alimentar essa máquina monstruosa.

A sociedade não eleva o homem a um patamar superior ao dos animais, ela o rebaixa ao mesmo nível deles envenenando em nós aquilo que permite que sejamos donos de nós mesmos. Ela nos aprisiona com ilusões e enfeita a vida com carros bonitos e mulheres fabricadas até que não possamos sequer saber que estamos encarcerados. Nos tornamos animais de rebanho, meras engrenagens do Sistema e trabalhamos até que estejamos velhos e cansados e então somos descartados.
As escolhas que temos são semelhantes à do rato num labirinto que pode escolher se vai para a esquerda ou para a direita. Caímos na rotina animalesca de acordar, lutar pela sobrevivência, pela reprodução e contra a morte.

Não há prova maior de que o homem pode ser livre do que quando ele chega ao momento da morte com serenidade. Não maior prova de libertação do que essa, e é por isso que a sociedade abomina o suicídio: ele representa a máxima liberdade que temos.
Aceitando a morte não venderíamos nossa vida em busca de algum objetivo qualquer que nos impusessem.

A Sociedade estimula perversamente os medos e vontades em nossa mente nos impedindo de evoluir pois quando esquecemos que vamos morrer nós nos apegamos e somos facilmente manipulados.
Somos meras ovelhas. Nunca poderemos ser realmente livres enquanto nossa mente estiver presa e enquanto formos obrigados a ser animais.


quinta-feira, 6 de maio de 2010

Prisão

Doutor, doutor! O que há de errado comigo?
Sinto a sombra da morte fria de minha alma sugando cada gota de energia que me resta.
Meu coração dispara e minhas mãos estão suadas.
O choro me engasga preso na garganta e o grito não sai.
A respiração não é suficiente, não é suficiente. Sinto a dormência mental tomando conta de todo o meu ser.
Minha alma chora arrependida todos os dias por ter saído do conforto da não-existência para nascer nesta prisão cruel e sem sentido. Meu corpo implora para voltar para a terra e para o descanço no colo quente da mãe natureza de onde nunca deveria ter saído.
Meus olhos doem. Estou tão cansado mas não consigo dormir.
O frio cresce em meu peito e a angústia tira minha respiração.
Me ajude doutor!
Dê um nome a este sentimento, por favor. Mate-o em mim antes que ele me mate.
Por favor, não me deixe congelar aqui fora no escuro.
Me ajude a voltar para dentro. Me ajude a enlouquecer novamente.
Por favor.

Pink Floyd - Hey You

Será o sofrimento apenas mais um mecanismo de sobrevivência desenvolvido nos bilhões de anos da evolução?